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O que é meu - resenha

Atualizado: 4 de jun. de 2023


Autor - José Henrique Bortoluci

Nacionalidade - Brasileiro

Editora - Fósforo

Gênero - Memórias Autobiográficas

Páginas - 142

Ano - 2023

ISBN - 9786584568389

Classificação - ⭐⭐⭐⭐⭐💘


Sinopse - "Neste ensaio biográfico de rara sensibilidade, que já teve os direitos vendidos para dez editoras estrangeiras, o sociólogo e professor José Henrique Bortoluci parte de entrevistas realizadas com seu pai, que durante cinquenta anos foi motorista de caminhão, para retraçar a história recente do país e da própria família. Por meio de uma prosa elegante e afetuosa ― que combina depoimentos e anedotas do pai e seus colegas com referências literárias e reflexões sobre o Brasil ―, capítulos marcantes de nosso passado e de nosso presente se revelam pelos olhos de um cidadão comum, que vivenciou a ditadura militar e seus delírios megalomaníacos, como a construção da Rodovia Transamazônica e as marcas violentas da chegada do suposto “progresso” ao interior do país. Bortoluci tem consciência de que a matéria-prima de sua escrita é composta por camadas, mediada pela memória, pela subjetividade de quem narra, pelo tempo. Mas essa impureza da matéria é justamente a chave para a concisão deste texto que, por nunca falar de uma coisa só, se desdobra em registros e territórios pouco explorados em nossa literatura. A devastação que assola o país também permite que o autor se aproxime de outro assunto doloroso: o câncer que acomete seu pai e o tratamento médico pelo qual ele passa durante a escrita do livro. As marcas no corpo do paciente são também as estradas que cortam o país, cicatrizes de um projeto desenvolvimentista que até hoje perdura em nosso imaginário político. A distância que ele percorre com o caminhão também é aquela que foi se abrindo entre seu destino e o do filho, hoje professor universitário. Além de um feito literário e uma valiosa reflexão histórica e sociológica do país, este livro é também uma tentativa comovente e exitosa de unir novamente os dois caminhos."


🚛 "Palavras são estradas. É com elas que conectamos os pontos entre o presente e um passado que não podemos mais acessar.

Palavras são cicatrizes, restos de nossas experiências de cortar e costurar o mundo, de juntar seus pedaços, de atar o que teima em se espalhar."


Aos 16 anos, precisei ser hospitalizada, não era nada grave, mas precisava tomar soro e acabei ficando 3 dias internada. No quarto que fiquei, já tinha uma senhorinha muito bem instalada, ela parecia bem confortável só esperando uma nova companhia para conversar. Os relatos eram longos, ela não me contou exatamente o motivo de estar ali dividindo o mesmo lugar comigo - e eu não senti necessidade de perguntar-, mas me contava casos antigos e engraçados. Sua voz era suave e carregada no R, até hoje lembro dela descrevendo com orgulho como seu neto preparava uma deliciosa canja: "sabe, fia (era assim que ela me chamava desde que cheguei), ele punha o alho pra 'doRá', e cê precisa de vê, fica tudo beem 'doRadin doRadin'[...]". Eu não lembro o nome dela, mas sempre que faço canja, a voz vem conversar comigo. Essa internação me mudou, quando saí do hospital, nunca mais olhei pra uma pessoa da mesma forma. Além da companhia, essa senhorinha tão meiga me ensinou a escutar e observar as histórias, as narradas e as não narradas. Cada um tem uma história... e tem cada história linda por aí... a gente só precisa aprender a escutar e esse escutar nem sempre é possível com os ouvidos, quando for preciso, 'escute' com os olhos e deixe o coração falar no silêncio...


🚛 "O que é meu é tudo aquilo que eu vi e gravei na memória. então a única coisa que posso fazer é tentar recordar e contar."


"O que é meu" tem uma história linda assim como a da minha eterna amiga de internação. A história de um pai entrelaçada com a do filho que se misturam com a história do nosso Brasil, com nossa própria história.


🚛 "Às vezes descobrimos coisas que já estavam a um palmo de distância, mas que não foram suficientemente olhadas, como quando observamos nossas mãos e somos surpreendidos por linhas que já tínhamos visto centenas de vezes. Ou quando somos assombrados por nosso reflexo em um espelho que não sabíamos estar lá e, numa fração de segundo, vemos em nossa própria imagem o sorriso de nosso pai, o olhar de uma avó, a expressão de um irmão, os cabelos de um tio que encontramos uma vez ao ano, a postura de um bisavô que só conhecemos por fotografias."


Aqui, você não precisa escutar, é só abrir o livro e sentir as palavras. Bortoluci não brinca com a arte de narrar e em menos de uma página, você já vai querer saber mais. Algumas pessoas têm esse feitiço, Bortoluci, para nossa sorte, é um deles, um verdadeiro mago da escrita.


🚛 "Nascemos e morremos sós, é certo; porém chegamos ao mundo cercados de cuidados, de gestos, palavras e toques que nos marcam pelo resto da vida. Os cuidadores são nossa conexão com os contemporâneos e com aqueles que nos antecederam. Nossa história individual se amarra à correnteza das gerações, e aqueles que exercem as funções paterna e materna são a barca na qual navegamos esse rio revolto da história."


Esse livro é muito Brasil: uma mistura de classes, de personalidades; o graduado atravessando caminhos de secas educacionais; a doença que desabrocha na sanidade; a esperança que finca raízes na desesperança. Tudo se une e é lindo de ver, de sentir. Ler "o que é meu" mexe com lembranças, com sensações... tudo vivido, sofrido, amado... é um orgulho que dói, o orgulho de ter nascido em terras brasileiras.


🚛 "Falar é trazer os mortos para dançar na festa dos vivos, é reviver o trajeto de gerações passadas e de nossa história de encontros e de perdas."


Obrigada, José, por contar de forma tão sensível e sincera a história de seu pai, a sua e a de todos nós, brasileiros. Só a literatura consegue fazer aquilo que a medicina ainda não alcança: imortalizar alguém. Desejo de coração que as histórias de Seu Didi chegue em muitas e muitas pessoas, e que a grandeza e a humanidade intrincadas nessas páginas sejam aproveitadas e inesquecíveis para todos que tenham o prazer de lê-las.



Vou deixar mais alguns aqui, aproveitem:


🚛 "Tornar-se adulto é aproximar-se e afastar-se daquele dialeto familiar, da língua viva da infância. Isso não é tarefa simples. Executamos o demorado labor de eleger palavras, sermos escolhidos por outras, dispensarmos muitas, nos revoltarmos contra termos e usos, construirmos um arquivo pessoal e, com o tempo, produzirmos um relato terceiro, vacilante, entrecortado, como um coral sempre fora de tom, em que graves e agudos, palavras novas e velhas não cessam de produzir uma curiosa dissonância."


🚛 "O 'povo' geralmente aparece na arte do período como categoria abstrata, ou na fórmula repetida de um "povo pré-revolucionário", aos moldes do marxismo da vez; ou então como manifestações de um 'povo folclórico', rural, romântico e pré-moderno. Na maioria dos casos, trabalhadores reais, em sua imensa diversidade, não correspondem em quase nada a esses modelos."


🚛 "Dos pés à garganta, as cicatrizes desenham o eixo vertical de seu corpo um meridiano que o corta ao meio como uma estrada rasgada na pele."


🚛 "A história de pais e filhos que tiveram trajetórias educacionais radicalmente distintas é sempre atravessada de silêncios e esquivas, já que partes significativas de nosso cotidiano, nosso trabalho, nossas leituras, nossos gostos e nossos gastos são dificilmente traduzíveis para o universo de nossos pais."


🚛 "Vamos nos acostumando a conviver com aquele corpo que dói e não se movimenta mais com desenvoltura. Aos poucos apredemos uma nova coreografia do cuidado."


🚛 "O que é meu, só eu posso enfrentar."


🚛 "Ah, pensar na vida... a vida é a vida, não tem muito o que pensar."



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