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Foto do escritorKelly Rossi

Os Miseráveis - Resenha

Atualizado: 26 de fev. de 2020


Título - Os Miseráveis

Autor - Victor Hugo

Tradução - Regina Célia de Oliveira

Editora - Martin Claret

Gênero - Romance Histórico

Páginas - 1512

Local - São Paulo, 2014

ISBN - 978-85-440-0000-7

Classificação - ⭐⭐⭐⭐⭐💖😭


Sinopse


"Traduzido por Regina Célia de Oliveira, tradutora juramentada, formada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas e pela Aliança Francesa de São Paulo. Com introdução de Jean Pierre Chauvin, Pesquisador de Pós-Doutorado, junto ao Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Autor de O Alienista: a teoria dos contrastes em Machado de Assis (2005), entre outros. É afiliado à União Brasileira de Escritores. Um clássico da literatura mundial, esta obra é uma poderosa denúncia a todos os tipos de injustiça humana. Narra a emocionante história de Jean Valjean — o homem que, por ter roubado um pão, é condenado a dezenove anos de prisão. Os miseráveis é um livro inquietantemente religioso e político, com uma das narrativas mais envolventes já criadas."


"Enquanto houver lugares onde seja possível a asfixia social; em outras palavras, e de um ponto de vista mais amplo ainda, enquanto sobre a terra houver ignorância e miséria, livros como este não serão inúteis."

Lindamente comovente! "Os Miseráveis" é uma obra de arte pintada com palavras. Usando como pano de fundo a batalha de Waterloo e os motins de 1832 que aconteceram em Paris, Victor Hugo desenha personagens inesquecíveis e marcantes. O autor escreve com sua filosofia política de fácil entendimento. Ele aborda a desigualdade social e a miséria; o poder benéfico do empreendedorismo e do trabalho para o indivíduo e para a sociedade; o desequilíbrio do Estado com conflitos pela obsessão da justiça entre a polícia e o revolucionário; e o milagre do amor e da entrega para com o próximo. O protagonista utópico Jean Valjean, que se transforma e evolui ao longo da história de maneira tão esplêndida, faz o nosso coração apertar. A todo momento aprendemos com ele que escolher o caminho mais fácil e mais confortável nem sempre é a melhor solução. Existe um algo a mais em tudo que fazemos, mas muitas vezes é difícil de compreender. A consciência é o caminho que percorre nosso ilustre Valjean e o amor é a luz que o guia.



FANTINE - PRIMEIRA PARTE


Comovente e triste, "Fantine" é o título da primeira parte do livro “Os Miseráveis”.


Victor Hugo apresenta a história do povo, dos menos favorecidos, sempre costurando a ficção com fatos históricos. Em “Fantine”, conhecemos o Senhor Myriel, Bispo de Digne que vivia com suas duas fiéis irmãs, Bapstitine  e Magloire. Um homem que vivia e agia por sua fé, altruísta, sempre preocupado em cuidar das pessoas e difundir seus pensamentos levando o bem e o melhor de sua religião.


O livro tem uma pegada religiosa bem forte e o personagem do Senhor Myriel transmite em sua pureza tudo o que existe de mais belo em sua fé.


“Nunca temamos nem os ladrões nem os assassinos. Estes são perigos externos, pequenos perigos. Temamos a nós mesmos. Os preconceitos, esses são os ladrões; os vícios, esses são os assassinos. Os grandes perigos estão dentro de nós. Que importa o que ameaça nossa vida ou nossas bolsas? Preocupemo-nos apenas com o que ameaça nossa alma.”

A trajetória dos personagens carrega uma forte crítica política-social. Repare no modo singular (principalmente naquela época) com que o Bispo de Digne tratava alguns temas:


“Os erros das mulheres, dos filhos, dos criados, dos fracos, dos indigentes e dos ignorantes são os erros dos maridos, dos pais, dos amos, dos fortes, dos ricos e dos sábios”.

“Aos ignorantes, ensinem o máximo de coisas que puderem; a sociedade é culpada por não ministrar a instrução gratuita; ela é responsável pelas trevas que produz. Uma alma cheia de sombras, é onde o pecado acontece. A culpa não é de quem pecou, mas de quem fez a sombra”.

O encontro do protagonista Jean Valjean, abandonado pela vida, com o Bispo de Digne, também conhecido como Bispo Bienvenu (Bem-vindo), é um divisor de águas. A partir daí, acompanhamos um amadurecimento e uma reviravolta incrível do personagem.

Paralela a história de Jean Valjean, temos a trajetória extremamente delicada da linda Fantine, mãe solteira e sem condições de cuidar de sua filhinha Cosette, se vê obrigada a deixá-la com uma família, os Thénardier. A nova família de Cosette passa a maltratá-la e exigir cada vez mais dinheiro de Fantine para sustentar a criança. É sofrido acompanhar toda alegria, beleza e vivacidade de Fantine ser sugada da maneira mais cruel possível.

A narração onisciente dessa primeira parte, permite uma conversa com o leitor, provocando uma grande reflexão. Em algumas partes, nos sentimos, de certa forma, responsáveis. Quantas Fantines e Cosettes deixamos abandonadas por aí? Como parte da sociedade, somos todos responsáveis.

Que o Bispo Bienvenu toque o coração de cada leitor, assim como ele fez com Jean Valjean!



COSETTE - SEGUNDA PARTE


Victor Hugo retoma aspectos históricos, como a batalha de Waterloo, com riquezas de detalhes. Assim conhecemos aspectos que moldaram a personalidade do personagem Sr. Thénardier e conseguimos compreender um pouco melhor suas atitudes.


Essa parte do livro descreve o destino de Cosette ao lado de Jean Valjean. Sentimos na pele o sofrimento e maus tratos que a pequena garota vivia todos os dias. A crueldade do Sr. e Sra. Thénardier, assim como das filhas - Éponine e Azelma -  é de dar nos nervos.


Ver Cosette bem era o que eu mais queria nessa parte... torci e vibrei muito por cada pequena alegria da criança! Mesmo depois de tantos anos de torturas e falta de carinhos, ela manteve sua inocência e sua pureza no coração, deixando desabrochar o amor que nem sabia que podia sentir.


As referências à maternidade nessa parte são bem fortes. “Uma menina sem boneca é quase tão infeliz e tão completamente impossível quanto uma mulher sem filhos.”. Uma alusão ao tema, também aparece quando Jean Valjean consegue cumprir sua promessa a Fantine. Ele resgata Cosette das garras dos Thénardier após 9 meses do falecimento de sua mãe. O sentimento de amor, carinho e cuidado que Jean Valjean tem para com a criança instantaneamente é como o de uma mãe ao ver seu filho pela primeira vez.


“Aproximava-se da cama em que ela dormia e tremia de alegria; experimentava espasmos dolorosos como uma mãe, mas não sabia o que era; pois é uma coisa bem obscura e bem terna esse grande e estranho movimento de um coração que se põe a amar.”

É muito bacana a maneira que o autor conta a história e retoma personagens que já foram mencionados. Personagens que pareciam sem muita importância na primeira parte, ganham grande destaque agora. Como exemplo, temos Pai Falchelevent que se torna indispensável na vida de Jean Valjean e da pequena Cosette.


Esse método adotado por Victor Hugo de retomar os personagens e aprofundar suas histórias ao longo da obra, deixa o leitor mais íntimo dos fatos, dos protagonistas e cada pedacinho que une e liga os elementos, proporcionando um mergulho vívido no romance.


“No momento misterioso em que suas mãos se tocaram, uniram-se. Quando essas duas almas se avistaram, reconheceram-se como necessárias uma à outra e abraçaram-se estreitamente.”

Em várias partes do livro, Victor Hugo explicita seus valores e crenças. Faz apontamentos sobre a fé, sobre os ateus, sobre instituições religiosas, etecetera… “O homem ainda vive mais de afirmação do que de pão.”.


A comparação feita entre a cadeia e o convento é interessantíssima. A indignação do autor fica clara e contagia o leitor.


“Era um lugar de expiação, e não de castigo, e no entanto era ainda mais austero, mais melancólico e mais impiedoso que o outro. Aquelas virgens eram mais duramente humilhadas do que os forçados…”


MARIUS - TERCEIRA PARTE


Para mim, "Marius" é a melhor parte da obra. Os livros são mais curtos e os personagens que apareceram nas partes anteriores se encontram de maneiras extraordinárias nesse momento. A impressão que eu tive ao ler, foi que o Victor Hugo segurou um funil na história e fez todos os fatos se encontrarem. Os ganchos de um livro para outro não me deixavam largar a leitura.


O jeito que o escritor retoma os personagens é hilário. Ele acha que me engana só por não citar nomes haha… e quando ele resolve fazer a revelação de que tal personagem é realmente aquele que a gente já imaginava desde sempre? Eu fico com vontade de falar: - Ah… jura, Victor? Eu nem tinha ideia hahahaha…


Marius é o protagonista dessa parte, na qual conhecemos sua história desde seu nascimento. Teve uma infância sofrida. Órfão de mãe e afastado de seu pai por seu avô, cresceu sem carinho e sem amor. No início de sua vida adulta conheceu a verdadeira história de seu pai, que nos foi apresentada na segunda parte. O pai de Marius foi coronel na Batalha de Waterloo e teve sua vida salva por Thérnadier.


Marius passou muitos anos procurando o salvador de seu pai para lhe honrar, mas sua procura foi em vão. Nunca achou nenhum rastro!


Lembram-se de nossa pequena Cosette? Claro que ela aparece também, sempre acompanhada de seu “pai”. Cosette agora tem 15 anos e é dona de uma beleza exuberante que arrebata o coração de Marius. Um sentimento totalmente inovador para Marius e é divertido acompanhar suas descobertas.


O destino é a palavra que melhor resume essa terceira parte. E que destino! Fiquei sem fôlego... muitos acontecimentos intensos e reveladores.


Ah, antes que me esqueça, temos muita política mencionada aqui. Característica marcante do Hugo, não poderia faltar os relatos históricos, como por exemplo: discussão sobre Monarquia e República,  conflitos de Bonapartistas contra burgueses e a crise de 1830 que gerou muitos bandidos e malfeitores. As dúvidas e as divagações de Marius ajudam o leitor a entender a situação política de vários aspectos. É muito interessante!


“O pensamento oculto do poder encontra nas valas o pensamento oculto do povo”


O IDÍLIO DA RUA PLUMET E A EPOPEIA DA RUA SAINT-DENIS - QUARTA PARTE


Sem dúvida a mais cansativa, essa parte é mais dedicada ao personagem Gavroche, um menino que cresceu sem amor, sem carinho, rejeitado por seus pais. Vive nas ruas e se vira como pode. Muito esperto e inteligente, ele sempre está em muitos lugares e ajuda a todos. Apesar da fome e de todas as adversidades da vida, Gavroche segue alegre e otimista.


A trajetória de Gavroche cruza com outros personagens importantes da história, o que deixa a trama mais interessante.


A família dos Thérnadier ganha mais um espaço e descobrimos um pouco mais sobre eles e seus filhos. Éponine se destaca e minha desconfiança a seu respeito fica mais aguçada. Será que me enganei com ela?


Encontramos aqui uma detalhada explicação sobre revoltas e insurreições. Com maestria, Victor Hugo também elucida aos seus leitores a respeito da revolução de 1830 e o movimento de junho de 1832.


Um livro inteiro é dedicado a explicações sobre gírias. Provavelmente é um desabafo do autor devido às críticas da época com respeito ao uso da linguagem popular nas obras literárias. O preconceito era grande. A classe mais humilde era totalmente rejeitada e esquecida pela maioria.


A revolta de Victor Hugo sobre a desigualdade é tão nítida em várias partes que chegamos a nos identificar demais, até porque são críticas atemporais. Infelizmente, podemos usar muitos dos seus desapontamentos nos dias atuais.


“A parte inferior da civilização, sendo mais profunda e mais sombria, acaso é menos importante que a parte superior? Conhece-se bem a montanha quando não se conhece a caverna?”

Aqui também vemos o amor de Marius e Cosette dar mais um passo. A forma que Victor Hugo escreve sobre o romance o torna muito gostoso de ler. “O amor verdadeiro é luminoso como a aurora e silencioso como o sepulcro.”.


A exaltação da mulher é grande na obra inteira, e isso não é diferente nessa parte.


“A mulher sente e fala com o suave instinto do coração, essa infalibilidade. Ninguém sabe, como uma mulher, dizer coisas ao mesmo tempo doces e profundas. Doçura e profundidade, eis tudo o que é a mulher; eis tudo o que é o céu.”

Além de falar sobre a mulher, a sensibilidade que o autor tem a respeito das crianças e dos idosos também é outro ponto muito relevante.


“A miséria de uma criança interessa a uma mãe, a miséria de um rapaz interessa a uma jovem, a miséria de um velho não interessa a ninguém.”



JEAN VALJEAN - QUINTA PARTE


Continuando o motim de Junho de 1832, essa quinta parte encerra a obra de forma magnífica. Cada personagem que trilha a história é retomado, emocionando o leitor profundamente.


Essa parte aborda a determinação, a entrega, a fé, a resiliência, a solidão, o perdão, e, acima de tudo, o amor em sua forma mais pura.


Mais uma vez o autor enaltece a mulher. "Todos os nossos heroísmos provêm de nossas mulheres. Um homem sem mulher é como uma pistola sem gatilho; é a mulher que faz o homem disparar."


Também percebemos um grande respeito quanto a intimidade sexual quando Victor Hugo nos diz o seguinte: "A rigor, podemos introduzir o leitor em um quarto nupcial, mas não em um quarto virginal. O verso apenas o ousaria, a prosa não deve fazê-lo." Magnífico, não?


"Amar ou ter amado é o bastante. Não peçam mais nada depois. Não há outra pérola que se possa encontrar nas dobras obscuras da vida. O amor é uma realização."

"Quando se ouve a voz de quem se ama, não é preciso entender as palavras que dizem."

Um personagem que reaparece nessa parte e ganha meu coração é o avô de Marius, Sr. Gillenormand. Sim, aquele mesmo que maltratava o neto! Esse vovô conseguiu me arrancar boas risadas. A forma que o autor coloca as falas e os pensamentos do Sr. Gillenormand é genial. Ele é a verdadeira prova de que nem todos conseguem demonstrar seu verdadeiro sentimento. O bloqueio que o Sr. Gillenormand tinha para dizer ao neto como sentia sua falta e como o amava era gigante. Perceber isso em suas falas e seus pensamentos antagônicos me causaram uma mistura enorme de sensações.


"Os filósofos dizem: "Moderem seus prazeres". E eu digo: "Soltem as rédeas de suas alegrias. Apaixonem-se como dois diabinhos. Sejam impetuosos". Os filósofos dizem disparates. Eu gostaria de fazer sua filosofia voltar-lhes goela abaixo." [Gillenormand - Os Miseráveis]

Ao se deparar com a solidão e a falta de amor, o Sr. Gillenormand, já com mais de noventa anos, se transformou em uma nova pessoa. Amoroso, radiante, feliz e de bem com a vida, ele se tornou um dos meus personagens favoritos... depois do Bispo Bienvenu e do Jean, é claro!


É muito difícil falar sobre essa parte sem dar spoilers, portanto vou ficando por aqui!


Espero que esse livro continue tocando o coração de muitos leitores. E que todas as lições sejam refletidas, pensadas e absorvidas.


"É algo incrível, ser feliz! Que contentamento! Como parece que isso é o bastante! Como, estando de posse do falso objetivo da vida, a felicidade, se esquece o verdadeiro objetivo, o dever!"

É impossível não se emocionar com essa leitura. Vale muito a pena! Ao terminar de ler a última página eu me senti outra pessoa e tenho certeza que com você também será assim! Se você ainda não leu, por favor, Leia!


"Morrer não é nada; horrível é não viver."

Beijos, um ótimo voo a todos e até a próxima!💖📚




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